1) 23h de sábadoEm uma noite de céu claro e
temperatura amena, na faixa de 17°C, tem início a festa que resultaria na maior
tragédia da história gaúcha. Durante as oito horas e meia seguintes, até a
chegada do primeiro caminhão carregado de corpos ao Centro Desportivo Municipal
(CDM) de Santa Maria, cerca de 1,5 mil participantes do evento na boate Kiss,
amigos, familiares e autoridades seriam envolvidos em um turbilhão de eventos
trágicos. Boa parte dos frequentadores que chegam ao local são estudantes da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) de cursos como Agronomia, Zootecnia e
Medicina Veterinária. Duas bandas e três DJs têm a incumbência de animar os
alunos e o restante da clientela, que reúne ainda duas festas de
aniversário.
2) 0h15min de domingoO personal
trainer Ezequiel Lovato Corte Real, 23 anos, passa pela frente da boate. Não
planeja entrar, mas reconhece alguns ex-colegas da UFSM, onde estudara. A fila
diante da entrada é um indício de que a festa atrai um grande número de
interessados, quase todos na faixa entre 18 e 30 anos. Aos poucos, vai
encontrando outros amigos e decide ficar na boate para bater papo e relembrar os
tempos da faculdade. A primeira banda a se apresentar, a Pimenta e Seus
Comparsas, já faz seu show. Pouco tempo depois, como quase não há espaço para se
mexer no corredor, resolvem rumar para a pista e assistir ao show do grupo
Gurizada Fandangueira.
3) 3h15minEnquanto o
grupo Gurizada Fandangueira entoa a música Amor de Chocolate, do cantor Naldo, o
grupo de amigos da UFSM observa quando uma fagulha vinda do palco alcança o teto
e transforma a espuma antirruído em uma nuvem de fumaça negra. Tem início um
empurra-empurra em direção à saída. O temor se transforma em pânico quando o
fogo se alastra pelo teto. Pedaços de plástico derretido começam a pingar sobre
a multidão, que passa a gritar de horror.
Clientes desesperados tentam
forçar a saída. Depois de uma resistência inicial dos seguranças, a saída é
liberada. Porém, logo surge outro problema: a onda humana acaba trazendo de
arrasto uma mesa em direção à porta, o que deixa ainda mais difícil escapar do
local. Alguém abre a porta do banheiro em busca de uma saída secundária. Uma
leve luz se projeta do interior do banheiro em meio à escuridão, o que atrai a
atenção dos jovens desesperados. Uma reação em cadeia leva dezenas deles à peça
sem saída, e a pressão da multidão impede que quem entrou consiga voltar. Uma
pilha de corpos humanos começa a se formar.
4) 3h16min Separado dos amigos da UFSM, o personal trainer
Ezequiel Corte Real cruza pela área VIP, um pouco mais elevada em relação ao
chão da boate, em um atalho rumo à saída. Na luta para sobreviver, passa sobre
algumas pessoas que se amontoam junto à saída da boate, desorientadas e afetadas
demais pela fumaça para dar o último passo que as salvaria da morte. Percebe que
duas mulheres se debatem abaixo dele. Com peso na consciência, volta e começa a
retirar pessoas de dentro.
5) 3h19minO telefone toca no Corpo de Bombeiros de
Santa Maria. A nota número 83 preenchida pelo sargento de plantão diz o
seguinte: "Fogo em boate. Ocorrência de vulto". Marca 3h20min como horário de
saída de dois carros de combate a incêndio, mesmo horário em que a cliente
Michele Cardoso dispara uma mensagem pelo Facebook: "Incêndio na KISS
socorro".
Os bombeiros chegam ao local às 3h23min e iniciam o trabalho de
combate ao fogo e resgate das vítimas. Já há gente morta a apenas um metro da
porta de saída. Muitos apresentam marcas de pisoteio em braços, pernas e rosto.
Frequentadores abrem um rombo na parede com picaretas para tentar aumentar o
nível de oxigênio no interior e criar uma nova possibilidade de resgate — o que
não ocorre.
6) 3h30minAs autoridades começam a ser alertadas
sobre o drama em andamento. Um assessor do prefeito Cezar Schirmer, Rogério
Assis Brasil, morador das proximidades da boate, telefona para ele:
—
Prefeito, está havendo algum problema. Estou vendo fumaça e tem gente na rua
falando em um incêndio.
Nesse momento, corpos já começam a ser dispostos
sobre a calçada e em um estacionamento próximo de um supermercado. Viaturas da
BM, carros particulares e ambulâncias levam os primeiros feridos para os
hospitais mais próximos, como o Caridade.
7)
5hQuando já não há mais esperança de sobreviventes no interior
da boate, o governador Tarso Genro é avisado pelo secretário estadual da
Segurança, Airton Michels, de que um incêndio havia deixado vários mortos em
Santa Maria. Até aquele momento, porém, acreditava-se que poderiam chegar a
poucas dezenas. Mais tarde, por volta das 9h, enquanto o governador aguardava o
retorno do avião King Air para visitar a cidade (que havia voado levando peritos
para Santa Maria), receberia a primeira ligação da presidente Dilma Rousseff,
que se encontrava no Chile. No quarto dos cinco telefonemas trocados, quando já
estava clara a dimensão do desastre, ela iria revelar:
— Vou a Santa
Maria.
8) 7h10minOs corpos das primeiras 67 vítimas são
carregados no caminhão-baú da Brigada Militar que faria a primeira das quatro
viagens fúnebres ao ginásio municipal de Santa Maria. Os mortos são empilhados,
e o caminhão parte rumo ao CDM. Chega lá por volta das 7h30min, quando os corpos
começam a ser dispostos no chão, separados entre homens e mulheres. Muitos
celulares ainda não haviam parado de tocar desde a retirada da Kiss, traduzindo
a ansiedade dos familiares dos mortos por notícias.
— Os celulares
seguiam tocando, mas não tínhamos autorização de atender. Às vezes, quando dava
tempo, apenas nos encostávamos em um canto para chorar — revela a enfermeira do
município Maria Lúcia Prestes.
Nessa hora, o Rio Grande do Sul já chorava
junto a Maria Lúcia.
FONTE:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/cronologia-ajuda-a-entender-o-desastre-em-santa-maria-4026668.html